domingo, 3 de outubro de 2010

O Capote - Gogol



Segue trecho de um conto que vem povoando muito minha mente durante esses dias... Vale a pena de vez em sempre, lembrar de questoes morais que apontamos ao outro, mas que pouco nos voltamos a ela em forma de atitude, mesmo que seja por retribuição a cobrança que fazemos:


"Os funcionários jovens zombavam e gracejavam dele o quanto permitia o humor de chancelaria, contavam mesmo em sua presença toda sorte de histórias que envolviam a sua pessoa, a sua senhoria, uma velha de setenta anos; diziam que a velha lhe batia, perguntavam quando os dois iam casar-se, faziam-lhe chover sobre a cabeça bolinhas de papel e diziam que era neve. Mas Akáki Akákievitch não respondia uma palavra, como se não houvesse ninguém diante dele: em meio a todas essas amolações não cometia um só erro no seu trabalho. Só mesmo quando a brincadeira passava do limite, quando alguém lhe empurrava o braço, perturbando-lhe o trabalho, é que ele falava: "Deixem- me em paz. Por que me magoam?" Havia algo estranho nas suas palavras, na sua voz. Alguma coisa tanto pedia compaixão que um jovem, recém- iniciado, que a exemplo dos colegas ia-se permitir zombar dele, deteve-se de repente como se comovido e desde então tudo lhe pareceu mudar, assumir um novo aspecto.
Alguma força sobrenatural o afastava dos colegas que há pouco conhecera e tomara por pessoas decentes e civilizadas. Depois, vinha-lhe à imaginação nos momentos mais alegres a imagem daquele funcionário baixinho de fronte calva com suas palavras penetrantes: "Deixem-me em paz. Por que me magoam?" Nestas palavras penetrantes outras palavras ecoavam: "Eu sou teu irmão." O pobre rapaz levava a mão ao rosto. E muitas vezes estremeceria em sua vida ao perceber o quanto há de desumano no ser humano, que grosseria feroz subjaz num ambiente culto, requintado e, meu Deus!, inclusive naquelas pessoas que a sociedade reconhece nobres e honradas."