Memória é um dom, importante pra edificar ou derrubar de vez, te fornece uma nova perspectiva sobre aquela cena velha, mostrando um momento e o resultado sobre sua vida, é realmente impressionante o impacto desta ferramenta pra separar os humanos dos peixes por exemplo.
Pra mim a juventude foi um momento engraçado, pude ser mil pessoas diferentes e circular por mil lugares, com várias tribos que jamais se misturaram, permanecendo naquela turma apenas o tempo suficiente pra virar saudade ou pra absorver o que eu considerava como bastante, fiz muita história.
Dentre tantos momentos que ficaria horas pra contar cada um deles, me lembrei de um professor de redação que tive da 8 série, o Humberto, um cara genial que marcou minha vida pra sempre e sem dúvidas foi um divisor de águas, esse cara me ensinou o senso crítico, teve a manha de me ensinar a pensar.
Também poderia dissertar séculos sobre como ele realizou esse trabalho árduo de enfiar na cabeça de um adolescente que o mundo poderia ir além de apenas possuir, claro que na época a falta de acesso a internet e ao celular facilitaram bastante, ainda tínhamos que procurar na Barsa e quando muito internet discada aos domingos, mas tirando isso, o cara sabia o que tava fazendo, mesmo que atingisse poucos.
Tem um dia que me recordo particularmente, foi quando ganhei o respeito dele, aquele dia ele sabia que podia contar comigo pra aprender o que ele quisesse ensinar e, foi quando no meio de uma sala lotada de hormônio, espinha e vozes mudando de tom, ele entrou e, sem pedir silêncio, ele fez o silêncio.
O Humberto era todo franzino, magrinho e pequeno, entrou e pediu silêncio baixinho, ninguém ouviu e continuaram a fazer um barulho danado, ele se calou, parou na mesa e ficou olhando todo mundo, esperando a zona acabar, mas foi em vão.
Me lembro que foi a primeira vez que senti vergonha alheia, ao menos que eu me lembre, comecei rindo com todo mundo, mas me calei rápido, sai lá do fundão e me sentei em frente a ele, calada olhando a cena e pensando sozinha como era possível que ninguém respeitasse ou entendesse aquele momento de sabedoria milenar repaginado pra versão adolescente.
Todo mundo quer respeito, atenção, ser ouvido, mas não para pra assimilar que tem alguém querendo falar, se expressar e dividir um momento importante, o que custa minha gente respirar cinco minutos e absorver de coração o que o outro tem a dizer?
Custa caro na minha opinião, custam pessoas disseminando frases de auto ajuda na rede social, falando que pra ter amor, tem que dar amor, que um dia o mundo dá voltas e fulano vai perceber, mas a impressão que tenho tantas vezes é que o mesmo fulano que posta isso, foi quem tava lá sem parar pra ouvir aquele cara cheio de idéias brilhantes na sala.
Atenção minha gente, suas expectativas sobre os outros, são na maioria das vezes a que você frustrou de alguém, é preciso atenção meu povo, pra perceber os finos traços que constroem uma personalidade de caráter, coragem pra ouvir mais e ter menos opinião sobre tudo.Naquele dia, ele entrou mudo e saiu calado, não disse a que veio, não falou nada, fiquei sem saber até hoje o que ele queria dizer, mas sem dúvida alguma me deixou de lição que o silêncio vale muito, vale a conquista do respeito de outra pessoa ou a perda de alguém admirável para sempre.