quarta-feira, 24 de abril de 2013

O Professor

Memória é um dom, importante pra edificar ou derrubar de vez, te fornece uma nova perspectiva sobre aquela cena velha, mostrando um momento e o resultado sobre sua vida, é realmente impressionante o impacto desta ferramenta pra separar os humanos dos peixes por exemplo.
Pra mim a juventude foi um momento engraçado, pude ser mil pessoas diferentes e circular por mil lugares, com várias tribos que jamais se misturaram, permanecendo naquela turma apenas o tempo suficiente pra virar saudade ou pra absorver o que eu considerava como bastante, fiz muita história.
Dentre tantos momentos que ficaria horas pra contar cada um deles, me lembrei de um professor de redação que tive da 8 série, o Humberto, um cara genial que marcou minha vida pra sempre e sem dúvidas foi um divisor de águas, esse cara me ensinou o senso crítico, teve a manha de me ensinar a pensar.
Também poderia dissertar séculos sobre como ele realizou esse trabalho árduo de enfiar na cabeça de um adolescente que o mundo poderia ir além de apenas possuir, claro que na época a falta de acesso a internet e ao celular facilitaram bastante, ainda tínhamos que procurar na Barsa e quando muito internet discada aos domingos, mas tirando isso, o cara sabia o que tava fazendo, mesmo que atingisse poucos.
Tem um dia que me recordo particularmente, foi quando ganhei o respeito dele, aquele dia ele sabia que podia contar comigo pra aprender o que ele quisesse ensinar e, foi quando no meio de uma sala lotada de hormônio, espinha e vozes mudando de tom, ele entrou e, sem pedir silêncio, ele fez o silêncio.
O Humberto era todo franzino, magrinho e pequeno, entrou e pediu silêncio baixinho, ninguém ouviu e continuaram a fazer um barulho danado, ele se calou, parou na mesa e ficou olhando todo mundo, esperando a zona acabar, mas foi em vão.
Me lembro que foi a primeira vez que senti vergonha alheia, ao menos que eu me lembre, comecei rindo com todo mundo, mas me calei rápido, sai lá do fundão e me sentei em frente a ele, calada olhando a cena e pensando sozinha como era possível que ninguém respeitasse ou entendesse aquele momento de sabedoria milenar repaginado pra versão adolescente.
Todo mundo quer respeito, atenção, ser ouvido, mas não para pra assimilar que tem alguém querendo falar, se expressar e dividir um momento importante, o que custa minha gente respirar cinco minutos e absorver de coração o que o outro tem a dizer?
Custa caro na minha opinião, custam pessoas disseminando frases de auto ajuda na rede social, falando que pra ter amor, tem que dar amor, que um dia o mundo dá voltas e fulano vai perceber, mas a impressão que tenho tantas vezes é que o mesmo fulano que posta isso, foi quem tava lá sem parar pra ouvir aquele cara cheio de idéias brilhantes na sala.
Atenção minha gente, suas expectativas sobre os outros, são na maioria das vezes a que você frustrou de alguém, é preciso atenção meu povo, pra perceber os finos traços que constroem uma personalidade de caráter, coragem pra ouvir mais e ter menos opinião sobre tudo.
Naquele dia, ele entrou mudo e saiu calado, não disse a que veio, não falou nada, fiquei sem saber até hoje o que ele queria dizer, mas sem dúvida alguma me deixou de lição que o silêncio vale muito, vale a conquista do respeito de outra pessoa ou a perda de alguém admirável para sempre.

A crônica dos 30

Sempre me pego pensando em muitas coisas, talvez por isso esteja onde estou, acredito que o mal de quem pensa muito seja sempre realizar pouco, acredito nisso pensando sobre mim, em como encarei a vida até aqui e o que consegui conquistar, percebi que os passos de quem pensa muito sejam sempre muito vacilantes, inseguros e inundados de uma inquietação tendendo sempre ao menosprezo.
Quando olho em volta, comparo meus medos e desejos aos dos demais, eles são sempre dotados de um infeliz senso comum, maquiados por falsa erudição ou arranhados por uma falsa vaidade que resiste em aparecer sobre a máscara da novidade, não são, talvez tenha pensado muito.
Ainda menina, me lembro de estar sempre sentada em uma mesinha de madeira, dialogando com um boneco quase do meu tamanho, cantando Lobão, entrevistando, compartilhando meu gosto por Jorge Ben e música clássica, ai me lembro da minha mãe contando pra mim, na época com três ou quatro anos que o Jorge Ben era um desertor, traiu a pátria e foi embora, na verdade ela falava do Simonal, mas me lembro que traição foi uma palavra tão forte que só depois de vinte anos voltei a escutar novamente e achando a coisa mais maravilhosa do mundo, nessa época já estava com um cara e sentávamos noite a dentro pra ele tocar violão pra mim e dizer que a "a lua é minha aaa a lua é bela aaa". Ria daquilo e senti que a alegria tomava minha alma, enquanto ríamos da nossa falta de futuro juntos.
Voltando a época de criança, nesse mesmo lugar da mesinha de madeira, tinha minha avó, todos dizem que ela foi quem mais me amou, mas não me lembro do amor dela, me lembro que trair a pátria é ruim, mas não me lembro do amor de avó, aquele que tem cheiro de pão de queijo, de roupas de crochê e tudo limpinho, feito com carinho, percebi que eu não me lembro do amor, esse sentimento eu não consegui ouvir ainda, como a música do Jorge Ben, só me recordo de quanta falta ele faz.
Me lembro do abandono, trair a pátria é uma forma de abandono, você vai embora, porque quando se trai, não pode mais ficar, tem que se mover, sumir, talvez um dia volte, mas naquele momento, só te resta partir.
Não tive festa de quinze anos, tenho meia dúzia de fotos com minha mãe, não tive pai, mas ela me explicou que isso não faz falta, são convenções, eu sempre senti que isso era falta de amor, ela diz que amor é outra coisa, sei que não entendo o amor dela, ela também não entende o meu e assim eu caminhei.
O resultado é que pra mim, não pode haver traição, mas também tem que ter amor, demorei vinte anos pra perdoar o Jorge Ben, mas cheguei nos 30 sem amor, faltou arte, poesia, larguei a música aos três anos e comecei a roubar aqueles bloquinhos de depósito do banco com carbono (poucos vão se lembrar) e, fui brincar de escritório, parei de entrevistar o boneco e comecei a olhar as crianças de longe, sem me misturar, acho que tinha medo, de abandono, de confusão, a verdade, tinha medo de gente.
A gente sempre tem uma mania estranha de compensação, projeção, expectativa ou apego, seja qual for o nome, o resultado é o mesmo, tentativa de adequação, um talento que não tive, me adequei mal as frustrações naturais da vida, era medrosa, apegada a um sonho de Cinderela meio às avessas, não queria o príncipe do cavalo branco, queria mesmo o eternamente, ah! cresci ouvindo o soneto de fidelidade, mas sofria com a parte do seja eterno enquanto dure, pra mim, partir me partia e, foram tantas as partidas que aos trinta tenho um álbum de defunto no peito que cheira a saudade, mas na verdade é mesmo dificuldade de desapegar.
Agora, sufocada, sem espaço pra preencher com coisas novas, me vejo faxinando a casa, preciso jogar fora o que não cabe mais, tenho que criar coragem pra ser alguém além de solidão, velharia e peso, pra encontrar algo leve, novo, não porque quero, mas por sobrevivência, uma questão de vida ou morte literalmente, encontrar uma firmeza que teimo em achar que todos tem mais que eu, pra me manter de pé.
Devo admitir que as fotos que não tenho, a família que não tenho, talvez nunca tenha, me fazem falta, mas mesmo assim, terei que reconstruir outro sonho, esse ai, tá empoeirado de mais, quero agora minha mesinha e meu boneco, pra ouvir aquelas músicas, pra recuperar a arte e poesia e assumir meu papel definitivo, quero a criatividade de volta, a sensibilidade amorosa, o traço fino, a nota que comove.
Afinal, o mesmo peso que destrói, constrói, é uma questão de pensar menos e agir mais, por isso, acredito que quem pensa muito realiza pouco, nosso pensamento nos leva sempre ao irreal, a loucura, é muita sinapse junta pra pouco espaço de concretização.
Quero trazer aquela primeira criança de volta, esse é meu plano de ação, porque me comovia e era capaz de comover, imitava cantor de rock, contava piada, desenhava horas, cantava e era feliz mesmo sozinha, esses desejos continuam os mesmos, mas a coragem mudou, quando brinquei de escritório, o mundo ficou meio cinza e burocrático, talvez fosse mais promissor, mas agora, preciso mesmo é daqueles cadernos de cartografia com papel vegetal, aprender a desenhar e a me soltar, porque TEM que haver esperança novamente.
Chegar aos trinta, portanto, é assustador, mas pode ser também a oportunidade de ouro que a vida, por impaciência da sorte, de te dá de brinde para recomeçar.


quinta-feira, 4 de abril de 2013

Desejo


Se algum dia ela desejasse mais, desejaria entrar naquele mar de luz
A visão mais linda e avassaladora era o por do sol, na estrada uma linha infinita de beleza, um carmim sem precedentes que terminava nas nuvens. Lá era sua casa um carinho de Deus no coração calejado.
Não há espaço para entender a calma que aquele momento trazia, era a vida entrando na alma, uma alegria por estar naquele cenário. Presentes são assim, não escolhemos, mas quando chegam, deixam a graça de receber.
Entender era o verbo vazio no momento em que tantas cores se misturavam na estrada, era mais que passar, era preencher, o sol e o céu são marcas que não dá pra apagar. 

O meu pé de laranja lima


segunda-feira, 1 de abril de 2013

Semântica

Freud explica:
- Porque você e sua amiga estão nesse clima?
- Misantropia, ela fica neurótica e eu fico com a lobotomia!